terça-feira, 17 de março de 2009

Semana da Poesia



O último dia do anonão é o último dia do tempo.Outros dias virãoe novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.Beijarás bocas, rasgarás papéis,farás viagens e tantas celebraçõesde aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,os irreparáveis uivosdo lobo, na solidão.O último dia do temponão é o último dia de tudo.Fica sempre uma franja de vidaonde se sentam dois homens.Um homem e seu contrário,uma mulher e seu pé,um corpo e sua memória,um olho e seu brilho,uma voz e seu eco,e quem sabe até se Deus. . .Recebe com simplicidade este presente do acaso.Mereceste viver mais um ano.Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.Teu pai morreu, teu avô também.Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo.e de copo na mãoesperas amanhecer.O recurso de se embriagar.O recurso da dança e do grito,o recurso da bola colorida,o recurso de Kant e da poesia,todos eles. .. e nenhum resolve.Surge a manhã de um novo ano.As coisas estão limpas, ordenadas.O corpo gasto renova-se em espuma.Todos os sentidos alerta funcionam.A boca está comendo vida.A boca está entupida de vida.A vida escorre da boca,lambuza as mãos, a calçada.A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.



De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.

8 comentários:

Andradarte disse...

Linda imagem, bem descrita por Eugénio de Andrade
Beijo

leandro guedes disse...

Olá Alcinda
Belos poemas.
Vou aqui deixar-lhe um, de alguém que já partiu...

"ACONTECIMENTO

Não pedi para nascer!
Nasci, aconteceu!
Aconteceu um dia
ao fim da tarde
com chuva,
muito vento, tempestade...
Tenho por madrinha a chuva
e por padrinho o vento,
e os dois, cá dentro, num eterno turbilhão,
rodopiam,
rodopiam,
fazem cones
sem parar.

Estou cansada de os ouvir gritar...
Estou cansada de lutar com eles...
Estou cansada de os acompanhar...

Porquê, aconteceu há trinta anos,
no dia em que nasci,
um ciclone?.
PT."

Beijinhos e parabens, mais uma vez.
Leandro.

Baila sem peso disse...

Cada vez que por aqui dou passo
com poema novo, me enlaço...

lindo passeio que eu faço!

lindos os momentos de poesia
que transformam dias de cansaço

e nos dão um belo abraço!

Eu deixo aqui meu beijinho
e espero Primavera com carinho!

BC disse...

Mo meio de um lindo poema venho deixar-te um ramo de flores perfumadas, e um sorriso primaveril.
Beijo

Andradarte disse...

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.


NÃO QUIS deixar de ler hoje um poema ao acaso, esaiu-me este.
Bonito...não!!!
BEIJO Amiga e Boa Viagem de regresso

Jorge P. Guedes disse...

Boa noite.

Belo poema de um grande da literatura em língua portuguesa.

Saudações.

Baila sem peso disse...

A Poesia hoje passa com Florbela Espanca ao acaso:
"Os versos que te fiz"
-queria dizer assim, como lá diz-
E Fernando Pessoa...
"Ah poder ser tu sendo eu!"
-a sombra ser leve, e ser eu-

E tão bela,
está qualquer dela...

Venho só dizer que a semana passou
A primavera já chegou
e a "Soma dos dias" não voltou...

E deixo um bejinho!

Ana Duarte disse...

Eugénio de Andrade... Foi um dos poetas aqui da minha zona... :)